sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Renato Russo está cantando

Ouça o Renato Russo cantando.

Se você se identificar profundamente com sua voz, seu estilo, suas palavras melodiosas saindo graves por suas pregas vocais enquanto a dor de seu peito é exalada como um perfume pelos quatros cantos por onde o som alcança, isso quer dizer, meu caro leitor, que você está em maus lençóis.

A Legião é praticamente um medidor para a saúde de nossa alma. Ninguém em sã consciência viaja por suas músicas se não for, mesmo que inconscientemente, para afogar nas letras de Renato suas mágoas, rancores, amores perdidos, vidas despedaçadas.

Somos todos índios, escalamos montes castelos sob a alcunha de João de Santo Cristo, então percebemos que nossas mariaslúcias se prostituíram com os jeremias da vida.

É ai que, de repente, percebemos que a única coisa que pode nos libertar é tentar voar sem asas da janela do quinto andar.

Assim que percebemos o quanto frágil somos diante desta vida.

Que basta um vento mais forte para que fiquemos soterrados. Basta um não. Basta uma mulher em quem confiamos parte de nossa vida nos rejeitar. Basta nosso marido bater a porta de casa sem dizer adeus. Basta que o nosso chão inexista por um centésimo de segundo para que caiamos para sempre no buraco da amargura e da auto comiseração.

Estamos, eu e você, sob a mira todo o tempo. Acho que é isso que a Bíblia quer dizer quando fala que o diabo está o tempo todo rugindo como um leão buscando a quem ele possa tragar.

É assim, porque somos tão pequeninos que um amor mal resolvido nos desmonta.

O Renato sabia disso.

Melhor do que qualquer outro de nossa geração. Por isso é que quando estamos no lixo, buscamos por ele, nos dizendo que "é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã". E talvez isso tenha sido a coisa mais importante que ele se aventurou a falar. Realmente o amanhã é uma ilusão, uma invenção humana para que consigamos atravessar o hoje iludidos pela certeza de algo que não existe, mas que nos parece tão real que planejamos vidas inteiras para serem desfrutadas no amanhã que nunca chegará.

Nossas pequenas vidas são como grafites de lapiseiras 0,5.

Nossas pequenas vidas ardem sob o calor das emoções e a todo o momento as cicatrizes das desilusões não parecem como as marcas de balas que os soldados fanáticos trazem no corpo com orgulho. As cicatrizes que trazemos são (muitas vezes) o motivo de nossa vergonha. De que fomos trocados por valor algum, de que preferiram outro ao invés de nós, de que fomos deixados para trás com as malas nas mãos.

Então cientes dessas coisas, jogamos tudo para o amanhã e nos esquecemos que é hoje que todas essas coisas estão acontecendo. Preferimos ignorar o agora.

No fundo, não estamos atrás de cura, libertação, ou você dê o nome que achar melhor. Estamos mesmo é querendo colo, ou melhor, morfina para que paremos de sentir dor enquanto a flecha continua cravada em nossa perna. Queremos paliativos para sofrer e sermos alisados pela vida.

Infelizmente a vida não alisa ninguém.

Quem sabe não exista nada mais consistente do que a nossa própria vida, para nos provar que no final das contas não passamos de completos idiotas.

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